A Gestão de Requisitos Legais como Parte da Gestão de Riscos da Organização
Em um ambiente de negócios cada vez mais regulado e dinâmico, a gestão de requisitos legais tornou-se peça-chave para a sustentabilidade das organizações. O desconhecimento ou o não cumprimento da legislação aplicável pode acarretar riscos significativos — legais, financeiros, reputacionais e operacionais. Assim, conhecer a legislação, interpretá-la corretamente, monitorar suas atualizações e garantir sua conformidade não é apenas uma obrigação, mas também uma estratégia de mitigação de riscos. A norma IEC 31010 (ABNT NBR IEC 31010:2021) detalha diversas técnicas para auxiliar na avaliação de riscos. As técnicas, ou ferramentas, podem ser utilizadas para melhorar a compreensão da incerteza, fornecer informações sobre riscos específicos e como parte do processo de gestão de riscos.
Antes de qualquer coisa, os proprietários de um negócio (donos, acionistas, shareholders, etc) deveriam estar muito preocupados com o cumprimento da legislação aplicável ao seu empreendimento. Em muitas situações, o dono da empresa (especialmente em negócios de natureza individual ou sociedades limitadas) pode ser responsabilizado pessoalmente por descumprimento de obrigações legais — principalmente em áreas como meio ambiente, segurança do trabalho, proteção ao consumidor e questões fiscais. Além disso, cumprir a legislação protege a empresa de multas, sanções administrativas, ações judiciais e até interdições. Um problema jurídico pode comprometer a operação, o caixa e a reputação da empresa, colocando sua sobrevivência em risco. Clientes, fornecedores, investidores e até bancos analisam se a empresa cumpre suas obrigações legais. Uma organização que demonstra seriedade e conformidade inspira confiança e conquista oportunidades de crescimento.
Uma vez que a importância de atendimento aos requisitos legais é inquestionável (pelo menos assim me parece), alguns pontos são muito relevantes para atingir este objetivo:
1. O Conhecimento da Legislação Aplicável
Toda organização, independentemente de seu porte ou setor, está sujeita a um conjunto complexo de normas legais — leis, decretos, regulamentações técnicas e requisitos contratuais. Conhecer quais requisitos são aplicáveis às suas operações é o primeiro passo fundamental para a conformidade.
Esse mapeamento legal permite que a organização:
- Evite sanções legais e administrativas;
- Identifique riscos potenciais em suas atividades;
- Implemente controles internos adequados;
- Promova uma cultura organizacional de conformidade e responsabilidade.
Por exemplo, uma indústria química precisa atender a requisitos ambientais rigorosos, enquanto uma empresa de tecnologia deve observar normas relacionadas à proteção de dados. O desconhecimento ou a má interpretação da legislação aplicável pode gerar graves falhas de conformidade.
Além disso, entender o que é necessário para atender a cada requisito é igualmente importante. Não basta saber da existência de uma norma; é preciso traduzir seus comandos em práticas concretas no dia a dia da organização.
2. Impactos do Não Atendimento à Legislação
As consequências de não cumprir a legislação são profundas e multifacetadas. Os principais impactos incluem:
- Multas e sanções administrativas: Órgãos reguladores impõem penalidades que podem ser significativas, afetando o caixa da empresa.
- Responsabilidade civil e criminal: Dirigentes e colaboradores podem ser responsabilizados pessoalmente por omissões ou ações ilegais.
- Danos à reputação: Em tempos de mídias digitais e transparência, notícias de não conformidade se espalham rapidamente, afetando a imagem da organização perante clientes, investidores e a sociedade.
- Perda de mercado e certificações: Não atender requisitos legais pode levar à perda de licenças de operação, certificações ISO ou autorizações de funcionamento.
- Interrupção de atividades: Em casos graves, atividades da organização podem ser embargadas, o que compromete diretamente sua operação e resultados financeiros.
Portanto, a gestão proativa dos requisitos legais não é apenas uma questão de “cumprir regras”, mas de proteger a empresa contra riscos que podem comprometer sua continuidade e crescimento.
3. A Dificuldade de Manter a Legislação Atualizada
Um dos maiores desafios da gestão de requisitos legais é a dinamicidade da legislação. Leis e regulamentos estão em constante mudança, seja por motivos políticos, econômicos, tecnológicos ou sociais.
No Brasil, por exemplo, estima-se que são publicadas centenas de normas novas todos os meses nas esferas federal, estadual e municipal. Para organizações que atuam em diferentes localidades ou países, o desafio é ainda maior.
As principais dificuldades incluem:
- Volume e complexidade da legislação;
- Falta de padronização entre diferentes entes federativos;
- Mudanças súbitas de interpretação por parte das autoridades fiscalizadoras;
- Dificuldade de acesso a fontes oficiais atualizadas.
Manter a legislação aplicável mapeada e atualizada exige tempo, conhecimento técnico, capacidade de interpretação jurídica e metodologias eficazes de controle documental.
Sem um processo estruturado, a organização corre o risco de atuar com informações desatualizadas, acreditando estar em conformidade quando, na realidade, não está.
4. A Importância de Contar com um Parceiro Especializado
Dada a complexidade e o dinamismo do ambiente regulatório, contar com um parceiro especializado em gestão de requisitos legais é uma estratégia cada vez mais necessária.
Esses parceiros oferecem:
- Monitoramento contínuo da legislação aplicável, com alertas de mudanças relevantes;
- Análise crítica de requisitos legais para traduzir obrigações genéricas em ações práticas;
- Ferramentas de gestão eletrônica de requisitos, que permitem rastrear evidências de conformidade;
- Consultoria na implementação de controles internos para garantir o atendimento aos requisitos;
- Treinamentos para capacitação das equipes internas em relação a novas obrigações.
O parceiro certo não apenas atualiza a organização sobre mudanças legais, mas também ajuda a interpretar a legislação, priorizar ações e auditar periodicamente o sistema de conformidade.
Além disso, parceiros especializados contribuem para a integração entre a gestão de requisitos legais e a gestão de riscos, oferecendo uma visão mais estratégica da conformidade.
5. Gestão de Requisitos Legais como Pilar da Gestão de Riscos
Quando bem estruturada, a gestão de requisitos legais é um dos pilares da gestão de riscos corporativos. Ela deve ser integrada a um sistema mais amplo que contemple:
- Identificação e avaliação dos riscos legais;
- Planejamento de ações de mitigação;
- Monitoramento contínuo do ambiente regulatório;
- Comunicação eficaz com as partes interessadas.
Empresas que reconhecem essa relação conseguem antecipar tendências, agir preventivamente e criar vantagem competitiva, mostrando ao mercado e aos stakeholders que operam dentro dos padrões legais e éticos.
6. O Atendimento à Legislação nas Normas ISO
As normas internacionais da família ISO desempenham um papel crucial na estruturação dos sistemas de gestão dentro das organizações, incluindo o aspecto da conformidade legal. Cada norma, de acordo com seu escopo, reforça a importância de identificar, compreender e atender aos requisitos legais e outros requisitos aplicáveis. Vejamos como essa exigência se manifesta nas principais normas:
ISO 14001 – Sistema de Gestão Ambiental
A ISO 14001:2015 exige que a organização identifique e tenha acesso aos requisitos legais e outros requisitos relacionados a seus aspectos ambientais. A norma também determina que a conformidade seja avaliada periodicamente.
Elementos principais:
- Identificação e acesso a requisitos legais ambientais aplicáveis.
- Planejamento de ações para atender aos requisitos.
- Avaliação periódica da conformidade, documentando resultados.
- Correção de não conformidades identificadas.
Assim, o atendimento à legislação ambiental não é opcional: ele é integrado ao ciclo de melhoria contínua do sistema de gestão ambiental.
ISO 45001 – Sistema de Gestão de Saúde e Segurança Ocupacional
Na ISO 45001:2018, a abordagem é semelhante, mas com foco nos requisitos legais e outros requisitos relacionados à saúde e segurança ocupacional.
Principais pontos:
- Determinar e atualizar os requisitos legais e outros requisitos aplicáveis.
- Garantir que trabalhadores e representantes estejam conscientes desses requisitos.
- Planejar e implementar ações para atender aos requisitos.
- Monitorar e avaliar a conformidade regularmente.
Essa norma reconhece que o não atendimento pode colocar a vida e o bem-estar das pessoas em risco, além de gerar sanções legais e danos reputacionais.
ISO 37001 – Sistema de Gestão Antissuborno
A ISO 37001:2016 trata da gestão antissuborno e reforça a necessidade de cumprir as leis aplicáveis relacionadas a práticas de suborno e corrupção.
Exigências principais:
- Identificar requisitos legais e regulatórios contra o suborno aplicáveis às atividades da organização.
- Implementar controles e procedimentos para prevenir, detectar e responder a riscos de suborno.
- Treinar funcionários sobre seus deveres legais em relação à prática antissuborno.
O foco da ISO 37001 é demonstrar que a organização adota uma postura ativa e preventiva em relação ao cumprimento legal nesse tema sensível.
ISO 37301 – Sistema de Gestão de Compliance
A ISO 37301:2021 é inteiramente dedicada à gestão da conformidade e, portanto, coloca o atendimento à legislação no centro do seu escopo.
Diretrizes centrais:
- Estabelecer, desenvolver, implementar, avaliar, manter e melhorar um sistema eficaz de compliance.
- Identificar todas as obrigações de compliance (legais e outras) que se aplicam às atividades da organização.
- Integrar o compliance nas operações e decisões organizacionais.
- Monitorar o cumprimento e agir sobre as não conformidades.
Essa norma apresenta uma visão sistêmica da conformidade, incentivando o alinhamento ético e legal como parte da cultura corporativa.
ISO 26000 – Diretrizes sobre Responsabilidade Social
A ISO 26000:2010 não é uma norma certificável, mas fornece orientações sobre responsabilidade social corporativa, reforçando a necessidade de respeitar a legislação em todas as dimensões.
Pontos relevantes:
- Cumprir as leis é um dos primeiros e mais básicos princípios da responsabilidade social.
- Promover o desenvolvimento além do cumprimento legal, buscando contribuir para o bem-estar social e ambiental.
- Atuar com transparência e ética, com pleno respeito às normas legais aplicáveis em todos os locais onde atua.
A ISO 26000 orienta que a organização, além de cumprir a legislação, deve buscar práticas que superem as exigências mínimas legais, demonstrando um compromisso genuíno com o desenvolvimento sustentável e ético.
Considerações Finais
A aderência aos requisitos legais não é um elemento isolado da gestão de riscos; ela está integrada aos sistemas de gestão reconhecidos internacionalmente. As normas ISO analisadas demonstram que a identificação, o monitoramento e o atendimento à legislação aplicável são fundamentais para assegurar a eficácia dos sistemas de gestão, proteger a organização e garantir sua responsabilidade perante a sociedade.
Ao incorporar a gestão de requisitos legais em sua estrutura, a organização não apenas evita penalidades e danos à reputação, mas também fortalece sua cultura de integridade, sustentabilidade e respeito às partes interessadas.
Investir em processos robustos de gestão de conformidade e contar com suporte especializado são, hoje, medidas indispensáveis para organizações que buscam não apenas sobreviver, mas prosperar em um ambiente cada vez mais exigente e regulado.
Flavio Oliveira